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     “Dê uma esmola para o ceguin... Pelo amor de Deus...”... Se você já passou pelas ruas do centro de Teresina, basta reproduzir essa frase uma, duas, no máximo três vezes, com um tom piauiês bem arrastado, para ouvir e ver um senhor na Rua Simplício Mendes pedindo, apelando através do nome de Deus, e do sentimento gerado por essa referência, às pessoas. Em um mundo cheio de trapaças e inverdades, como não duvidar do destino daquela doação, já que a mesma mão se estende dia após dia por tantos anos?

     O fotojornalista Gabriel Paulino, curioso sobre a veracidade dessas memórias, resolve averiguá-las pessoalmente. É assim que nasce uma documentação das pessoas em situação de rua. Os popularmente conhecidos como mendigos, pedintes ou sem-teto.

Na verdade, nada é tido como mentira. "Durante o processo de criação do livro, ao contar para amigos e familiares as histórias que ouvia em cada entrevista, eles não acreditavam. Muita gente pergunta se é verdade, porque às vezes são coisas tão surreais que parece que eles inventaram. A gente até pode pensar: 'Será que a pessoa que entrevistei inventou tudo isso?', mas hoje eu já não me preocupo em duvidar se a pessoa está falando a verdade. Acho que o importante é ele se tornar sujeito da própria história – como querem ser vistos, a história que querem que contem sobre eles. Então, é verdade, porque aquele encontro aconteceu e aquelas coisas foram ditas", relata o fotógrafo.

     Sobre as coisas que não são vistas, a principal: "Mora DOR Na Rua" – uma certeza que vira o título da obra, porque a cada esquina que se dobra, não se vê o sofrimento de cerca de 400 pessoas que tentam sair do crack, mas não conseguem; que se sentem invisíveis, e ainda se veem; e que de acordo com o autor definem, em unanimidade, que a rua é horrível.

 

    De acordo com uma pesquisa feita no ano de 2015 pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop), dessa especulação de 400 pessoas, cerca de 80% são homens, 40% sabem ler e escrever, 40% tem o Piauí como Estado de origem e 20% não informaram nada. Nada... Nada além de papelão de cama e céu de teto? Nada além do álcool que esquenta o corpo e inebria o cérebro, que não quer lembrar de cada "e se" de uma vida que poderia ter sido muitas coisas além de pedidos de esmola – em dinheiro e em atenção.

 

     Francisco das Chagas, natural do Povoado Remanso, de Araioses, no Maranhão, lembra o fotojornalista, logo no começo de uma entrevista, que a vida passa mesmo depressa. "Um dia desses eu estava com 22 anos, hoje já tenho 76...", e o registro fotográfica grita inconformismo através daqueles os olhos tristes de quem queria ter conseguido ser mais. Gabriel aos 23, conta que agora, depois da experiência proporcionada pela produção do volume, se vê diferente e percebe os seus problemas com mais maturidade, consciente tanto que já reclamou muito de pouco, quanto que os moradores de rua sofrem de verdade com a sua condição. "O livro em si foi importante, mas nada comparado a entender como um pouco de atenção, um sorriso, uma palavra, valem muito mais que esmola", explica.

     Mora Dor na Rua. E é dela que nasce a ideia para o exemplar de Gabriel Paulino, em 2013, por meio da percepção fotográfica de acompanhar as pessoas que ficam nas ruas, despercebidas pela maioria. Mas é justamente dessa dor que também nasce a compaixão.

Aylla Dourado, convidada pelo fotógrafo para ajudar cada um daqueles olhos e mãos e gestos e caminhados e vozes, nunca havia tido uma experiência com moradores de rua, mas aceitou o desafio sem titubear, mesmo que com um pouco de medo. "Quando chegamos lá e vi todas aquelas pessoas, percebi que devemos ter medo de nós mesmos e do que podemos fazer quando temos poder em nossas mãos. Precisamos nos movimentar para que essa desigualdade seja diminuída. Os sentimentos que tive com essa experiência foram de alegria, por estar fazendo a minha parte e recebendo um sorriso de agradecimento deles", descreve a estudante, agradecendo Deus por ter proporcionado a ela essa experiência com pessoas em situação de rua. Provavelmente, as cordas vocais do ceguinho da Praça Rio Branco são mais potentes do que cada pessoa que passa direto por ele imagina.

     Homens, mulheres, crianças, idosos e até mesmo deficientes físicos, geram incômodos e até desconfiança para quem passeia, trabalha, e mora na rua o dia todo, mas não dorme por lá... Os visitantes. Enquanto isso os donos da casa talvez nem saibam que De acordo com o Artigo 6º da Constituição Federal de 1988, a moradia, a segurança, a saúde, entre outros itens, aos desamparados, são direitos sociais no Brasil... Mas a sociedade em geral dorme em camas confortáveis demais.

Rua nº 400: Das dores mora no centro

por: Julianna Galvão

foto: Gabriel Paulino

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