Basta olhar ao redor e perceber que estamos em transição. E não é de hoje. A revolução digital trouxe nas costas dezenas de outras revoluções, e principalmente, deu novo fôlego para antigas demandas. Após a calmaria da passagem do milênio, a geração atual encontra, finalmente, sua forma de transformar o mundo. A luta LGBT, o retorno do feminismo e o novo olhar, mais profundo, sobre o racismo eclodiram mundialmente no últimos anos. Por consequência, iluminou centenas de milhares de jovens para a política, e principalmente para o que, de fato, é fazer política.
Vivemos os primeiros meses pós-impeachment, e o furacão continua solto no Congresso, se duvidar ainda com mais força. O governo Michel Temer têm forçado a aprovação de uma série de medidas de endurecimento, sob o constante argumento de "salvar a economia". o Governo segue as aprovando , a despeito das pesquisas de opinião apontarem para uma larga desaprovação popular dessas mudanças, e dos milhares de protestos. Os mais contundentes, apesar das polêmicas envolvidas, são as ocupações de escolas e universidades.
As ocupações começaram pelo sul do país, em escolas secundaristas. É preciso pontuar esse fato: o maior movimento contra o governo Temer, pelo menos até agora, foi iniciado por adolescentes, de 14 a 17 anos. Ocuparam suas escolas contra a MP 746, que prevê uma ampla reforma no Ensino Médio, como a colocação de disciplinas ligadas à discussão (arte, filosofia e sociologia) como matérias optativas, entre outras mudanças. Estavam, portanto motivados por uma causa que atingia diretamente a eles. Ou melhor, atinge mais ainda os próximos estudantes secundaristas.
Seguindo a linha, as ocupações se multiplicaram, lutando não só contra a Reforma do Ensino Médio, como também contra a PEC 241/55, que propõe o congelamento dos gastos públicos pelos próximos 20 anos, incluindo saúde e educação. A proposta é a maior mudança constitucional sofrida desde a criação da própria Constituição, em 1988. Mesmo assim, o governo segue aprovando-a, sem dar margem para discussão.
A doutora em ciência política e professora do Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília Marisa Von Bülow, em artigo publicado no dia 16 de dezembro de 2015, no Blog do Noblat, comentou as ocupações ocorridas em São Paulo, na época contra a reorganização dos estudantes de escolas secundaristas, propostas pelo governo Geraldo Alckmin. A professora resume bem as estratégias comuns do Estado no sentido de combater as manifestações: deslegitimação do movimento, tentativas de cooptação das lideranças, ignorar e esperar que o movimento enfraqueça sozinho, e por fim a repressão.
"No entanto, quando a fragmentada e heterogênea base estudantil se une em torno de uma demanda, é importante não subestimá-la. Os estudantes geram ondas de protesto com uma capacidade de resistência ímpar, as quais muitas vezes contam com o imprescindível apoio da opinião pública. ", diz a professora.
Os jovens também aprenderam que não se faz política apenas na urna eletrônica e em protestos de rua. Os cabelos livremente cacheados, que vemos enfeitar com orgulho a cabeça da juventude negra mostra isso. Cada vez mais rapazes passam batom e meninas cortam os cabelos curtos. Descobriram que agir de acordo com suas preferências é um ato quase radical de resistência, apesar de simples.
E eles se apoiam nas redes. A internet deu as ferramentas para que as pessoas pudessem se reunir em torno de todo tipo de ideologia. É lá que meninas que já sofreram com o machismo e a cultura do estupro podem se encontrar e se ajudar. É lá que o jovem identifica quantos mais sofrem dos mesmos males que eles, descobre que não está sozinho. A liberdade de discussão, nas redes sociais, e de divulgação de informações, através de veículo de notícia independentes e blogs, garantiu o fortalecimento dos grupos, transformou minorias em multidões. O sentimento de grupo é essencial para a autoestima.
Tudo isso à revelia do crescimento de um pensamento conservador que parece se sentir mortalmente ameaçado por todas essas cores que lhe cercam. Reagem como se todas as reclamações fossem descabidas, afirmam que os grupos sociais usam de vitimismo para conseguir publicidade, almejando objetivos políticos. Buscam diminuir as falas heterogêneas, e argumentam que o discurso deles está unificado na óbvia #foracorruptos.
Em parte, sou obrigado a concordar. Especificamente da parte que diz "almejando objetivos políticos", apenas. Querer que o Estado trate de questões como racismo, machismo e homofobia com a presteza necessária é, obviamente, um objetivo político. E legítimo, não há nada de errado nisso. O argumento que coloca aqueles que pretendem ter força política no mesmo patamar que a classe política tradicional, claramente corrupta, é, quando não ingênuo, intelectualmente desonesto. A política pertence a todos, e a juventude parece, mais uma vez, ter redescoberto este fato.
A juventude, mais uma vez
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