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Jojô vai voar

por: Julianna Galvão

foto: Séverine Galus

     Já faz um tempo que não consigo ir à praia. Vento-ventania só me leva para outro lugar... Mas sei que preciso de água. Água salgada dando gosto pra boca. Tempero nos dentes para que eles sejam capazes de morder de volta – com gosto – esse mundo que quer me engolir. Areia, que é pra eu saber que tudo que é macio também pode me afundar, me puxar, me comer. Eu necessito, perdidamente, de cada pedaço do céu. E de cada nuvenzinha com formato de um bicho aleatório. E daqueles pássaros diferentes que de uns tempos pra cá voam com muita frequência no mar que fica no teto da praia e que encantaram meu moleque, dos pés miudinhos até cada fio de cabelo encaracolado indisposto por coordenação.

 

     “Óh-papá-mais-passaín-gandão-aachôooo”... Cara... Que sal-dade! Até arrepio toda vez que me lembro da voz e do rosto e dos olhos e do cheiro do Joaquim, meu filho de seis anos, me dizendo isso. Só posso mesmo é sorrir feito um besta. E olha que antes eu nem sabia o que era aquilo lá também.

 

     É assim, apontando, mostrando, gritando e correndo, que o Jojô define a sensação de êxtase (depois que a euforia inicial passa – e para isso precisamos de pelo menos três dias na praia –, imagine antes) em ver o céu furta-cor roubando sua atenção igual avenida passaralesca. Não é pipa, balão, nem arco-íris: a cor no céu do mar é kite. E a íris do Jojô, caro leitor, é um coração batendo a mil.

 

     Tum! Tum! Tum! Tum! Tum! Tum! Se a nossa viagem para Salvador já tivesse acontecido eu diria sem medo que é quase o Olodum! Só que em uma bateria piauiense. A cada kite que voa, o menino Jô corre e a voz grita: "Ooooooooóhhhh, paaaai!!!", e ai! de quem não olhar! E ai!, literalmente, do meu corpo sedentário, a cada vez que saio correndo atrás dele acompanhando cada kite que voa pertinho da gente, como se eu tivesse uns oito anos de idade ao invés de 39.

 

     Eu olho abestaiado mesmo! E fico me perguntando o tanto que esses caras que fazem esse negócio são doidos. E o tanto que devem ser felizes com a sinestesia do ar entrando nas veias e dos músculos abraçando o vento e da pele sendo beijada pela água. E o quanto que o Joaquim agora ama, de peito aberto e cor bronzeada, esses pássaros que o destino trouxe pra memória da gente e que nem água de sal grosso tira mais.

     Nós dois fizemos um pote decorado com conchas e todo dia é uma festa a cada moeda que canta no fundo do vidro. Desde então, dois meninos economizando pra voar.

© 2016 Meduna - Loucura Pouca é Bobagem

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