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     Depois de dois discos e um Ep com a banda Validuaté e doses cavalares de comprimidos poéticos com o coletivo Academia Onírica, o autor do livro/cd Cabeça de Sol em Cima do Trem e também editor da revista Acrobata, Thiago E, cai na gargalhada e abre suas asas para a equipe do Meduna. Esse é apenas um breve compacto da nossa larga entrevista que durou prazerosas 24 páginas, afinal “a pressa traz nos braços uma bagagem de atrasos e distribui de bom grado relógios enferrujados”, como diz um poema seu.

     Thiago Pereira e Verso é, curiosamente, mais um Silva. Incrédulo a respeito da determinância da astrologia, afirma apenas admirá-la, do ponto de vista narrativo, apesar de ter nascido no dia da poesia (14 de março) de 1986. Filho de um motorista de táxi conhecido como Zorro e da dona Neide, Thiago, com seus olhos castanhos e dotado de nada impressionantes 1,73 cm de altura, sonha com a capacidade de se teletransportar. Considerando que, tanto o Goku (sua referência), quanto Antônio Rodrigues da Silva (vulgo Zorro, seu pai), são capacitados de levar e trazer as histórias e marcas de pessoas para novos lugares repletos de mais oportunidades de vivências. Talvez Thiago não saiba, mas já realizou o seu sonho e o de muitas pessoas através das suas palavras. Formado em Letras (português), é especialista em fazer a partir destas, uma dança: e com maestria. E com sonoridade.

      M3DUNA - Como a poesia entrou na tua vida?

     Thiago - Bom, deixa eu ver...  A poesia entrou na minha vida por meio da música. Eu ouvia principalmente samba e pagode, e a musicalidade me chamava atenção, mas depois fui começando a prestar mais atenção nas letras. Lembro que quando criança, em São Paulo, na casa da minha avó onde passava as férias, ouvi uma música do Arnaldo Antunes chamada "O Pulso". Eu  tinha oito, nove anos, e aquilo me chamou muita atenção... Uma música que falava só de doença era tão legal.... A música tocou lá no Faustão. Era tipo um "se vira nos 30" daquela época - um cara com uma marionete ficava mexendo no esqueleto ao som da música, aquilo ali ficou na minha cabeça.

    M - Quando nasce o poeta Thiago E?

     T - Vixe, assim é... Não sei. Eu acho que eu comecei a querer escrever, ser poeta, na adolescência, quando eu tinha uns 15 anos. Eu lembro que os primeiros poetas que me chamaram a atenção foi o Augusto dos Anjos e o Álvares de Azevedo e, junto com isso, a poesia concreta, que eram poesias visuais. Na adolescência esses universos começaram a se somar, que são coisas que você pode ver que nem tanta ligação, como por exemplo, samba com poesia concreta, mas era o que eu gostava, entendeu?

     M - Hoje, o poeta Thiago E está pronto? É um bom poeta?

     T - Não, eu acho que a gente nunca está pronto. Quando você se propõe a escrever algo, você aprende muito consigo mesmo e você não sabe o quanto você vai aprender com você mesmo...

     M - Quais os teus poemas que dão mais orgulho?

     O poema "Muro"; o poema "Língua"; são poemas que eu gosto muito (muito mesmo) de ter feito. O poema "Orelha", eu também gosto muito de ter feito. Quando eu fui fazer esses textos eu não fiz por que eu quis. Um amigo meu falou assim: “Cara, tu devia fazer um poema que falasse de Orelha pra tu botar na orelha do teu livro”; Achei a ideia e aí me coloquei pra fazer aquele poema (foi tipo uma coisa por encomenda).

     M - Isso acontece muito?

     T - Não, acontece pouco. Acontece muito de eu me colocar uma dificuldade pra fazer um poema.

     M - Então geralmente são assim que surgem os teus poemas?

     Geralmente um tema me atrai, penso e vejo aquilo como algo desafiador e, a partir daquilo, tento fazer um poema. Gosto de temas diferentes, que não são tão poéticos assim, por exemplo, o poema "Língua"; Eu estava escovando os dentes, a língua, percebendo que a gente nunca consegue deixar a nossa língua parada, ela sempre está se mexendo, aí fiquei pensando: “Interessante a língua da gente nunca fica parada”; sozinho no banheiro olhando pra minha língua lá no espelho, pensando: “e se a língua tiver uma vida própria e mora dentro da cabeça, mas ela não quer morar ali, ela queria sair pra outro lugar e ela é um molusco triste e a nossa saliva é ela se desmanchando, esperneando pra sair da cabeça e não consegue?”. Comecei a fazer o texto e aí escrevi um “bucado de coisa”, daí fui ajeitando com o passar dos dias, ate que ficou. Quando dei por terminado eu me senti aprendendo comigo mesmo algo sobre a língua que eu não sabia.

     M - Já passou por algum hiato? Como você lida com isso?

     T - Sim, direto!  Eu lido de uma forma natural, já teve vezes em que eu quis escrever sobre alguns assuntos e que eu não consegui. Tem uma música que eu tô querendo terminar a mais de 10 anos e eu nunca terminei.  Não é que vai ser a música mais maravilhosa do mundo, mas é por que ela empacou.

     M - Isso às vezes não é aterrorizante?

     T - Eu não sei, assim, eu acho que poderia ser se eu ligasse pra isso, mas eu realmente não ligo. Tenho a sensação que a construção poética mora dentro de mim. Sempre é possível fazer um poema ou fazer alguma música legal, só que quando você começa a fazer, você não tem a certeza que você vai conseguir terminar (então sempre dá uma angústia). Mas o ato de escrever (de você está construindo um poema - por que eu sou viciado nesse tipo de linguagem), me dá muito prazer.

    M - Você viveria só de poesia?

    Não, eu não iria querer. Quando eu estou tentando fazer algum texto que “preste” é muito desgastante emocionalmente. No dia que eu tive essa ideia de fazer o poema sobre a língua eu não consegui simplesmente deitar na cama e dormir, aquilo fica na sua cabeça e você fica “noiado” com aquilo ali.

     M - O que tu pretende com a tua poesia?

     T - O foco da minha poesia sou eu mesmo. Eu não faço poesia pensando em agradar outras pessoas, eu faço poesia pensando em aprender comigo mesmo. Eu acho ainda que eu tenho muitíssima coisa pra aprender e busco isso, esse universo onde eu consiga criar mundos diferentes, mas que ao mesmo tempo esses mundos me ensinem coisas, abram mais minha cabeça, tornem minha percepção mais aguda e eu me sinta realizado não tendo enganado ninguém.  Se você fosse dizer o que é saudade, como você diria? O poeta Da Costa e Silva tem um verso que ele fala: “Saudade, asa de dor do pensamento”, cara! Você dizer que saudade é a asa de dor do pensamento, pra mim não precisa dizer mais nada, entendeu? É uma coisa assim, tão certeira, tão bonita e diz tudo ao mesmo tempo, que você aprende com isso. Eu li esse verso e eu nunca mais esqueci. Isso mexe com você!

     M - Sobre o processo de produção, você é do tipo que faz um poema e não mexe mais nele ou fica aperfeiçoando ate que ele esteja do jeito que você quer?

    T - Desconfio muito de mim mesmo - fico desconfiando de mim o tempo todo. Então, fico nesse processo... ai escrevo uma frase, vou deixando por alipalavras, expressões as vezes até uma estrofe, uma coisa.. e fica lá. Depois volto lá e percebo que uma ou outra frase estão boas e apago tudo aquilo que não serviu pra nada. Enfim, acho muito difícil baixar um santo em uma pessoa e sair um começo massa e vai desenvolvendo, mas tem várias que pessoas que agem dessa forma e saem coisas maravilhosas.

    M - É impossível falar de poesia em Teresina sem tocar no nome de Torquato Neto, ele é uma influencia pra ti?

    T - Torquato é um espírito de ousadia. Então, a figura dele (essa coisa de você se colocar no mundo, tentar fazer algo interessante), eu acho que foi que passou a fazer diferença em mim, Ezra Pound, que eu acho fantástica, disse assim: "A literatura, ela nutre de impulsos"; e eu concordo plenamente com isso. A função que a que a poesia tem, é nutrir você de impulsos e eu me sinto nutrido de vontades. Você se sente impulsionado a fazer algo, a gostar mais de alguém, impulsionado a fazer alguma coisa, impulsionado a botar aquele texto numa aula que você vai dar, impulsionado a dividir aquilo com outras pessoas. O Torquato consegue nutrir de impulsos também, você olhando o percurso que ele teve e vê o tanto de coisas que ele fez, "pow, esse cara era massa".

     M - Teresina tem algum impacto sobre a tua poesia?

    T - Tem, é inevitável, porque é aqui que eu moro, é aqui que eu vivo, foi aqui que eu nasci. Tento fazer com que Teresina apareça de uma forma que tenha a minha versão, que tenha a minha "transubstanciação" (risos). Quando eu fiz a música "Eu quero acabar com você". Coloquei "partiu com aquela pessoa paia", essas palavrinhas que a gente vai usando, que faz uma referência ao lugar.

     M - Como surgiu o título do teu livro: “CABEÇA DE SOL EM CIMA DO TREM”?

     T - Da minha vizinha Leticia, quando ela tinha três anos, eu tinha um cabelo bem grande e gostava muito de ficar conversando com ela, porque eu gosto muito de como as crianças veem as coisas. São esses filósofos naturais. A gente tava brincando e eu pedi pra ela fazer um desenho. Daí ela fez um risco na página e puxou umas pontas e embaixo ela riscou de novo, um risco comprido, ai eu perguntei: “Letícia o que é isso aqui?” e ela: “É tu”, e eu: “ Sou eu, como assim?”; e ela: “É tu, é o cabeça de sol em cima do trem”! E eu levei um susto assim, porque cabeça do sol em cima do trem é muito musical, tem um ritmo muito bom, parece quase o barulho do próprio trem.

     M - O livro se desdobra no CD. De onde saiu essa ideia?

     T - Sou fã de discos e CDs de poesia e, esse obviamente não é o último, é o primeiro. Acho inclusive, o próximo trabalho que eu for lançar vai ser um cd, não vai ser um livro (risos). Eu to querendo cada vez mais fazer com que a poesia ocupe outros suportes que não sejam apenas os livros.

     M - Como foi o processo de produção?

     T - Foi bem caseiro, pedi pra uma amiga minha um gravador emprestado, que inclusive era da Universidade, mas ninguém sabe que eu usei o gravador (risos), mas obviamente depois o gravador voltou... só usei pra gravar, não cometi nenhuma improbidade administrativa. Eu usava de noite na madrugada, lá em casa mesmo, grava a voz. No outro dia de tarde eu levava pro Jan Pablo, na casa dele, ai a gente ficava pensando em samples, barulhos, ruídos, trilhas de outros filmes... Muita coisa desse disco foi um processo meio que de roubo transformado, tem algumas trilhas que são de filmes e de outros lugares...

     M - Uma das faixas que particularmente me chamou mais atenção foi a “A língua”, que tem uma voz feminina, que da um brilho especial na faixa.

     T - Quem gravou o poema da Língua, foi uma amiga chamada Martina Molinu. Ela é italiana, mas mora no Brasil ha vários anos. Tive a ideia de convidar ela pra lê o poema porque ela fala português, mas você percebe que ela não e daqui. Como ela fala com o sotaque de fora, você já sabe que ela tem outra língua, então você tem uma soma de línguas no poema da língua, que da um sentido a mais. Ai fui somando coisas...

     M - O Validuaté já esta com pouco mais de dez anos, como tu vê essa trajetória?

     T - Assim, a gente fez uma coisa incrível. Eu avalio a trajetória da Validuaté como algo lindo, assim, fantástico. Sou muito feliz, grato e extasiado por fazer parte de uma coisa, que começou tão despretensiosa e de repente foi ganhando corpo e hoje tem essa proporção aqui em Teresina que e muito grande e que eu acho maravilhoso.

     M - Como você lida com esse reconhecimento?

     T - Espero que eu mereça (risos). Fico extremante feliz, realmente... Sem “fuleragem”, porque e uma coisa que eu adoro fazer, sou viciado em escrever e ficar pensando. Eu gosto desse diabo chamado texto, se tem essa resposta é porque realmente o que eu faço consegue tocar de alguma forma algumas pessoas e essas coisas que eu escrevo e tudo mais e justamente pra ver se a gente se encontra mais, assim quando tu fala: “vamo numa entrevista tal num sei o quê”. Cara, eu adoro conversar, eu falo muito, acho que é isso ai a gente tem que fazer isso, (risos) então assim é pra esse tipo de coisa. Eu não almejo fama, eu não almejo esse sucesso besta de só ser reconhecido, eu acho isso completamente dispensável, não faz a menor diferença mesmo. O que eu quero e continuar fazendo as coisas.

Teresina, tarde de algum dia em Dezembro de 2015

 

E para que poetas?! E escrever?!

desmaterializando thiago e

por: Julianna  Galvão

Moura Alves

Nayrana Meireles

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